ACERVO MUSEOLÓGICO DA DIRECÇÃO-GERAL DOS SERVIÇOS PRISIONAIS
No âmbito dos serviços mínimos garantidos pelo Estado Liberal, a Carta de Lei de 23 de Agosto de 1821 (que funda a Secretaria de Estado dos Negócios Eclesiásticos e da Justiça) determina que funcione na respectiva Secretaria-Geral uma valência de Inspecção das Prisões. Até 1867, ano da abolição oficial da pena de morte e da instauração do sistema penitenciário, o parque prisional português era garantido na quase totalidade das situações pelas câmaras municipais, sendo os meios de subsistência dos reclusos prestados pelas santas casas de misericórdia e pelos orçamentos municipais.
Este estado de coisas altera-se com o Decreto de 29 de Janeiro de 1913, o qual cria no Ministério da Justiça uma Comissão de Reforma Penal e Prisional, embrião da futura direcção-geral. Ainda no contexto ideológico da Primeira Republica, o Decreto n.º 5.609, de 10 de Maio de 1919, alarga as competências do órgão criado em 1913, instituindo a Administração e Inspecção-Geral Autónoma do Serviço das Prisões. Com a lei orgânica do Ministério da Justiça, positivada na letra do Decreto-Lei nº. 22.708, de 20 de Junho de 1933, os serviços em funcionamento junto da Secretaria-Geral são reformados e concentrados num novo órgão da administração directa do estado, a Direcção-Geral dos Serviços Prisionais.
Instalada no edifício do Torel em 1959, a Direcção-Geral dos Serviços Prisionais garante o funcionamento de uma vasta rede de serviços desconcentrados, ancorada num parque prisional herdado do período do Estado Novo.
À descoberta de um acervo cultural
Até à primeira década do século XXI, altura em que a Direcção-Geral dos Serviços Prisionais desencadeou um projecto de mapeamento dos bens existentes (2003-2005), o património herdado dos séculos XVIII, XIX e XX era pouco conhecido.
A Cadeia do Limoeiro e a Cadeia das Mónicas não pareciam ter deixado vestígios. Quanto à Cadeia da Relação do Porto, havia notícia de obras de arte sacra transferidas em 1974 para o novo edifício de Custóias e dali para o Tribunal da Relação do Porto (actos comemorativos dos 400 anos da Relação do Porto: 1991).
Das cadeias comarcãs, oficialmente extintas em 1969, apenas se teriam salvaguardado os respectivos fundos documentais.
Contudo, fotografias captadas entre finais do século XIX e a década de 1960 testemunham a existência de equipamentos tão diversificados como bancas de torneiro, cadeiras de barbeiro, máquinas de dactilografar, peças de serralharia, máquinas de costura (oficinas de alfaiataria), máquinas de coser calçado (oficinas de sapataria), máquinas de linotipia (impressão), equipamento radiofónico para emissão de jornais sonoros e animação, máquinas fotográficas, máquinas de projecção de filmes, estojos antropométricos e material médico-sanitário, algemas, viaturas de serviço, armaria, uniformes, ferros e instrumentos de encadernação, mobiliário de época, escultura sacra, alfaias religiosas e paramentaria das capelas, instrumentos de marcenaria, alfaias agrícolas, artefactos de olaria e de canteiro, bem como objectos apreendidos.
Aproveitando a sala da antiga escola de ensino primário, o Estabelecimento Prisional Central de Pinheiro da Cruz inaugurou em 8 de Agosto de 2008 um interessante Núcleo Museológico e Iconográfico, iniciativa que vem reforçar a necessidade de projectos mais ou menos contíguos aflorados a pretexto do encerramento das penitenciárias oitocentistas de Lisboa e de Coimbra.
No universo dos bens culturais da Direcção-Geral dos Serviços Prisionais, cuja peça mais emblemática é o carro celular de tracção animal da antiga Penitenciária de Coimbra, foram propostos diversos objectos que testemunham em distintas conjunturas governativas a forma como eram entendidas a criminalidade, o enquadramento institucional da população reclusa, a correlação entre a eficiência dos serviços e as tecnologias existentes, a territorialização dos serviços e a capacidade de resposta dos serviços prisionais.
Contrariando a execução da justiça criminal como um espectáculo público repressivo assente na aplicação de penas violentas, as políticas de administração das penas legitimadas após a Revolução de 1820 afastam o preso de qualquer contacto com o público, remetendo-o ao silêncio e ao trabalho.
|
O carro celular da Penitenciária de Lisboa, segundo fotografia do período da Primeira República publicada na obra de Rodrigo Rodrigues, A Cadeia Nacional, 1917. A imagem documenta a parelha de muares, o assento do cocheiro e a fiada lateral das três celas ambulantes. Utilizado na recolha de reclusos, o carro celular garantia o transporte dos reclusos entre a Cadeia Penitenciária e a sala de audiências do juízo criminal instalado no Tribunal da Boa Hora. (Não foi preservado).
Procurando dar cumprimento à Carta de Lei de 27 de Abril de 1876, que mandava construir em Lisboa um palácio de justiça, o Ministério da Justiça fez publicar no Diário do Governo de 23 de Outubro de 1888 o "Programma para o concurso do projecto de um edifício destinado aos tribunaes judiciais". Nas áreas relativas ao bloco dos "Tribunaes Criminaes", estipulavam-se "trinta cellas para presos" (150m2), uma "casa para a carruagem cellular" (50m2) e uma "cocheira para quatro cavallos" (60m2).
|